Resumo: A miopia infantil costuma aumentar ano a ano enquanto os olhos das crianças crescem. Se não for tratada, pode levar a graus muito altos e aumentar o risco de problemas oculares graves na vida adulta. Felizmente, existem opções baseadas em evidências que podem desacelerar em 30–60% essa progressão miopica. Entre elas estão colírios de atropina em baixa dose, lentes de remodelação corneana noturna (ortoceratologia), lentes de contato multifocais especiais e novas lentes de óculos com “desfoque” (como HOYA MiYOSMART e Essilor Stellest). Além disso, aumentar o tempo que a criança passa ao ar livre e fazer pausas nas atividades de perto também ajudam. Este guia explica, em linguagem clara, como cada método funciona, quão eficaz é e quais são os prós e contras. Ao final, você terá argumentos práticos para ajudar os pais a entender as opções. (Lembrete: este texto é educativo; cada família deve consultar um profissional de visão para recomendações personalizadas.)
História de um pai: “Por que os óculos do meu filho estão ficando mais fortes?”
“Minha filha de 8 anos ganhou óculos com –1,00 no ano passado. Agora ela está com –1,75 em um olho. Fiquei preocupado – isso vai continuar piorando? O optometrista falou de tratamentos para desacelerar, como colírios especiais ou lentes específicas. Saí do consultório me sentindo sobrecarregado. Quero fazer o melhor para minha filha, mas isso tudo é novo para mim.”
Se você já ouviu algo assim de um pai ou mãe, saiba que não está sozinho. A miopia infantil (dificuldade para enxergar de longe) tem aumentado no mundo todo. É comum que, durante o crescimento na escola, a miopia da criança “pule” meio grau a um grau inteiro por ano. Os pais naturalmente se preocupam até onde isso pode chegar. Como óptico ou optometrista, você pode tranquilizar as famílias dizendo que é possível controlar a progressão da miopia. Várias opções com respaldo científico conseguem desacelerar o alongamento do globo ocular. Em outras palavras, o grau do óculos do seu filho ainda vai mudar, mas muito mais devagar do que sem tratamento.
Neste guia, primeiro explicamos o que é miopia e por que geralmente piora nas crianças. Em seguida, detalhamos as principais ferramentas de controle da miopia usadas hoje – de colírios medicados a lentes especiais de contato ou óculos – mostrando como cada uma funciona, sua eficácia, indicações de idade, além de vantagens e desvantagens. Usaremos uma linguagem fácil, mas com dados essenciais para você se sentir confiante ao explicar. No fim, você terá pontos claros para empoderar as famílias na hora de decidir. Vamos lá!
O que é a miopia infantil e por que ela progride?
Miopia acontece quando o olho cresce demais na direção frente-trás para o seu poder de foco. A luz de objetos distantes acaba focalizando antes da retina (fundo do olho) em vez de sobre ela, então quem é míope vê longe embaçado (e enxerga bem de perto). Uma criança míope pode até apertar os olhos para ler o quadro da escola, mas consegue ler o livro no colo sem problemas. O conserto clássico é usar óculos ou lentes de contato que fazem as luzes divergirem, levando o foco de volta na retina. O porém é que lentes simples (monofocais) corrigem a visão do momento, mas não impedem que o olho continue a crescer. Assim, a cada ano a miopia pode piorar.
Por que piora tão rápido nas crianças? A genética tem seu peso (se os dois pais são míopes, o filho tem risco maior), mas o ambiente é crucial. As crianças hoje passam longas horas fazendo “trabalhos de perto” (leitura, tablet, celular) e relativamente menos tempo ao ar livre. A teoria mais aceita é que esse foco prolongado de perto e a menor exposição à luz do dia estimulam o olho a crescer demais. A miopia costuma começar no início da escola e acelerar no fim da infância e começo da adolescência, estabilizando ao redor dos 20 anos quando o olho atinge o tamanho adulto.
Quanto mais cedo e rápido a miopia progride, maior será o grau final. Por exemplo: uma criança que começa aos 8 anos com –1,00 D e piora –1,00 D por ano poderia chegar perto de –6,00 D aos 14. Se ao invés disso conseguimos reduzir essa progressão pela metade, ela ficaria em torno de –3,00 D. Essa diferença faz muito em termos de vida diária e de saúde ocular futura. Por isso, intervir cedo é fundamental.
Por que controlar a miopia é importante (além de só ter óculos mais finos)
Diminuir a progressão da miopia não serve apenas para manter os óculos “menos grossos” (o que já é uma grande vantagem para a criança!). O principal motivo é de saúde ocular a longo prazo. Um olho muito míope fica muito longo, esticando e fragilizando a retina e outras estruturas internas. Miopias elevadas (geralmente a partir de –6,00 D) aumentam bastante o risco de problemas graves, como descolamento de retina, catarata precoce, glaucoma e degeneração macular miópica (aquela mancha que pode cegar). Na verdade, a alta miopia está se tornando uma das principais causas de perda de visão no mundo.
Ao reduzir o quanto o olho alonga, as terapias de controle da miopia visam diminuir esses riscos futuros. Por exemplo, se conseguimos que uma criança termine com –4,00 D em vez de –8,00 D, estima-se que ela corte em cerca de 40% o risco de desenvolver degeneração macular relacionada à miopia ao longo da vida. Mesmo cada 1,00 D a menos faz diferença.
Na prática, controlar a progressão significa também que a criança terá melhor visão sem óculos (o que é útil caso esqueça os óculos de vez em quando) e mais opções, por exemplo para praticar esportes – miopias muito altas podem até ser difíceis de corrigir com lentes de contato comuns. No futuro, miopias moderadas são mais fáceis de corrigir cirurgicamente (por ex., LASIK) do que miopias extremamente altas.
Resumindo: controle da miopia não “cura” a miopia (provavelmente a criança ainda precisará usar correção visual), mas protege a visão dela no futuro e reduz o quanto o grau vai aumentar. É um investimento na saúde ocular da criança. E o melhor de tudo: hoje já existem diversas ferramentas comprovadas para ajudar nisso.
Abordagens principais de controle da miopia
A seguir apresentamos as principais opções de tratamento disponíveis hoje para reduzir a progressão da miopia. Cada método é diferente – alguns são colírios que o paciente passa nos olhos, outros são lentes usadas de dia ou à noite. Às vezes combinam métodos (por ex., ortoceratologia junto com atropina). A escolha certa depende da idade da criança, do quanto ela já tem de miopia, do estilo de vida e do quão confortável a família fica com cada opção. Vamos detalhar uma por uma.
Colírios de atropina em baixa dose (uso noturno)
- O que é: Atropina é um colírio medicamentoso extraído da planta beladona, usado em doses muito baixas (geralmente 0,01% a 0,05%). As crianças recebem uma gota em cada olho na hora de dormir. Acredita-se que a atropina interfira em sinais bioquímicos que estimulam o olho a crescer demais, reduzindo esse estímulo.
- Eficácia: Estudos robustos mostram que a atropina baixa dose desacelera bem a miopia. Em 1 ano, atropina 0,01% costuma reduzir o avanço do grau em cerca de 25–30% comparado a não usar nada. Doses um pouco maiores (0,025%, 0,05%) dão resultados ainda melhores (até ~50–60% de redução), mas a diferença final costuma ser pequena quando se considera o possível “rebote” (o grau acelerar um pouco após parar o colírio). Em ensaios clínicos de longo prazo, crianças que usam atropina 0,01% tiveram cerca de metade da progressão esperada ao longo de 2–3 anos. Muitos médicos começam com 0,01% pelo bom resultado com efeitos colaterais mínimos.
- Idade indicada: Pode ser usado em crianças bem jovens, a partir de uns 5–6 anos. Frequentemente é indicado para os que começam a miopia cedo ou que estão piorando muito rápido. Quanto menor a criança, mais anos ela terá para progredir – então começar precocemente ajuda bastante. E é fácil de usar porque não depende da criança usar lente de contato; basta aplicar à noite. Oftalmologistas pediátricos no Brasil têm prescrito atropina de baixa dose para crianças em idade escolar.
- Vantagens: É simples de aplicar (só uma gota à noite em cada olho). Não restringe atividade diária nem requer lentes especiais de dia. Em média, proporciona algo como metade de lentidão na progressão. Tem quase nenhum impacto no dia a dia (além de possível dilatação leve). Pode ser usado junto com óculos ou lentes de contato normais. Ótimo para crianças muito novas ou que não querem usar lente de contato.
- Desvantagens: É um tratamento de longo prazo – costuma se fazer pelo menos 2–3 anos (nos anos de maior crescimento). Não há “cura permanente”: ao parar as gotas a miopia pode voltar a progredir (às vezes aceleradamente no início). A família precisa ter disciplina para não esquecer o colírio todas as noites. A atropina para miopia geralmente não vem pronta nas farmácias comuns – é preciso preparar em farmácia de manipulação ou conseguir por via hospitalar, o que encarece o tratamento (no Brasil, costuma custar algumas centenas de reais por ano). Por fim, algumas crianças (e pais) podem ficar receosas no começo de aplicar gotas toda noite.
- Efeitos colaterais: Em baixa dose, os efeitos são bem leves e incomuns. Pode causar pupilas um pouquinho dilatadas e dificuldade mínima de foco para perto. Em 0,01% essas mudanças são praticamente imperceptíveis – a maioria das crianças nem nota. Com 0,05%, um pequeno grupo pode ter sensibilidade à luz forte (basta usar óculos escuros ou boné ao sol) ou precisar de um óculos de leitura fraco para tarefas prolongadas de perto. Raramente, pode causar conjuntivite alérgica (olhos vermelhos e irritados) – nesse caso, interrompe-se o uso. A atropina de baixa dose não muda a cor dos olhos (aquele “efeito século XIX” só aparecia em doses altas muito antigas). De modo geral, 0,01% de atropina é considerada segura como se fosse placebo[1].
- Acompanhamento: Normalmente faz-se consulta de controle a cada 6 meses para medir grau e comprimento axial do olho. Se o avanço reduziu bastante (por exemplo, de –1,00 D/ano para –0,25 D/ano), mantém-se o esquema. Se mesmo com 0,01% ainda houver progresso rápido, o oftalmologista pode aumentar para 0,025% ou 0,05%. Após uns 2 anos de uso, às vezes se tenta parar por um tempo para ver se a miopia desacelerou naturalmente; se acelerar demais, retoma-se o tratamento (foi assim nos estudos ATOM). Em qualquer caso, é fundamental usar a gota toda noite certinho – pulá-la regularmente diminui muito o efeito.

Ortoceratologia (remodelagem corneana noturna)
- O que é: A ortoceratologia (ou Orto-K) consiste no uso de lentes de contato rígidas especiais só durante a noite. Essas lentes são desenhadas sob medida para a córnea da criança. Dormindo com elas, a lente achata levemente o centro da córnea, corrigindo a miopia existente. Ao acordar, a criança retira as lentes e enxerga nitidamente o dia todo sem óculos nem lente de contato. Funciona como se fosse uma cirurgia a laser temporária todas as noites! Além disso, e importante para controle da miopia, essas lentes criam um padrão de foco na retina periférica que desacelera o estímulo de alongamento do olho[2].
- Eficácia: É um dos métodos de controle mais estudados, com mais de 20 anos de pesquisa. Revisões mostram que o Orto-K reduz o alongamento axial (crescimento do olho) em cerca de 40–60% em comparação com usar óculos comuns[2]. Na prática, crianças de Orto-K tendem a ver cerca de metade do acréscimo de grau por ano em relação às que usam lente monofocal normal. Por exemplo, um estudo de 2 anos mediu que a elongação ocular foi de ~0,36 mm no grupo de Orto-K versus 0,63 mm no grupo de controle (uma queda de ~43%)[3]. Isso corresponderia a cerca de 0,25 D a menos de aumento de miopia por ano. Os maiores ganhos acontecem nos primeiros 6–12 meses de uso, e o efeito continua enquanto a criança usar as lentes toda noite. Importante lembrar: o Orto-K corrige a miopia atual de dia, mas não a elimina – o efeito dura só no dia em que usou a lente. Se a criança parar de usar as lentes, a córnea retorna à forma original e a miopia volta a progredir normalmente.
- Idade indicada: Geralmente crianças a partir de uns 8 anos já podem começar (ou antes se forem muito cuidadosas com higiene e manuseio de lente). É preciso que a criança saiba colocar e tirar lentes rígidas, e limpá-las corretamente. Muitos pré-adolescentes de 8–12 anos se adaptam bem após treinamento inicial. O Orto-K pode ser continuado na adolescência, ou então a família pode mudar para lentes de contato diurnas depois. Se o tratamento for interrompido de vez, volta-se à situação prévia de miopia não controlada.
- Vantagens: A criança não precisa de óculos ou lente durante o dia – visão clara o dia todo é um grande ganho para quem pratica esportes ou fica constrangido em óculos. É muito eficaz (cerca de 50% de redução de progressão em média). Concilia correção e controle ao mesmo tempo. A adesão é fácil de acompanhar – se a criança acorda enxergando bem, sabe-se que ela usou a lente corretamente. Funciona para graus moderados (geralmente até uns –6,00 D, dependendo do caso) e pode corrigir astigmatismo leve. Oferece independência visual noturna. Além disso, como é um método conhecido há décadas, muitos centros no Brasil já oferecem Orto-K.
- Desvantagens: A criança precisa manusear lentes rígidas todo dia – colocar antes de dormir, tirar pela manhã e cuidar da higiene. Algumas crianças mais novas podem precisar de ajuda no começo. Lentes rígidas requerem cuidado especial: há risco de complicações como infecção se não forem higienizadas, embora seja raro se feito certinho. O custo inicial é mais alto (avaliação, molde e lentes específicas), além de manutenção de produtos para limpeza. A adaptação inicial pode causar ligeiro desconforto (olhos sensíveis ao início) mas geralmente passa. Se a criança se distrair e ficar muitos dias sem usar as lentes, perde-se controle da miopia e deve-se recomeçar o processo.
- Efeitos colaterais: Geralmente só nos casos de mau uso. A maior preocupação é infecção de córnea (queratite) ou abrasão corneana se a lente não for mantida limpa. Por isso, acompanhamento regular (pelo menos semestral) e supervisão de higiene são fundamentais. Se ocorrer vermelhidão ou dor, deve-se interromper as lentes e procurar o oftalmologista. Mas em uso adequado, a Orto-K não traz efeitos sistêmicos ou impacto clínico permanente – é reversível e seguro. A Zeiss, por exemplo, descreve o Orto-K como uma técnica eficaz e segura para miopia progressiva[2].
- Acompanhamento: Óculos de ajuste visual geralmente são reavaliados a cada 6 meses. Como a criança já enxerga de dia, o profissional monitora o grau através de exames periódicos e medidas de comprimento axial. Se houver progresso persistente, avalia-se a adaptação da lente (posição, uso noturno). Toda vez que o grau mudar significativamente, ajusta-se a prescrição das lentes Orto-K ou progride-se o plano de controle (alguns médicos chegam a combinar Orto-K com atropina se o caso for muito rápido). Em clínicas brasileiras especializadas, costuma-se seguir bem de perto esses pacientes no início para garantir sucesso.
Lentes de contato gelatinosas multifocais
- O que é: São lentes de contato macias usadas durante o dia, mas com desenho especial para frear a miopia. Elas têm área de foco para visão normal (distância) e áreas adicionais que projetam foco um pouco na frente da retina (criam “desfoque míope”). Esse sinal de desfoque espalhado na retina parece inibir o estímulo para o olho alongar, de maneira semelhante ao Orto-K, porém feito em uma lente gelatina diurna. O exemplo mais conhecido é a lente MiSight 1 day da CooperVision, aprovada pelo FDA para desacelerar miopia em crianças de 8–12 anos. Existem outras marcas similares em alguns países; no Brasil, a CooperVision oferece a MiSight em algumas óticas. Além disso, alguns profissionais adaptam “lentes multifocais” padrão (com adição de +2,00 a +2,50 D) para uso em miopia, o que pesquisas sugerem também ser efetivo.
- Eficácia: Estudos de alta qualidade apoiam essas lentes. Num ensaio de 3 anos com a MiSight, crianças que usaram MiSight tiveram 59% menos progressão do grau e 52% menos alongamento axial do que crianças com lentes comuns[4]. Para ilustrar: o grupo MiSight progrediu só –0,51 D em 3 anos, contra –1,24 D no grupo controle. Em média, essas lentes cortam pela metade o avanço esperado. Outro estudo (BLINK) com multifocais de alta adição (+2,50) também mostrou cerca de 43% de desaceleração em 3 anos. No dia a dia, se uma criança em óculos aumentaria –1,00 D por ano, com essas lentes ela poderia ficar mais perto de –0,4 ou –0,5 D por ano. Não costuma parar totalmente a miopia, mas faz diferença: muitos acabam vários dioptrias mais leves na adolescência por causa disso.
- Idade indicada: Normalmente entre 8–12 anos é o melhor momento para começar, pois crianças nessa faixa já aprendem a usar lentes de contato diárias sob supervisão. Estudos mostram que crianças a partir de 8 anos conseguem manusear bem lentes diárias com treinamento adequado. Começar ao surgir os primeiros sinais de miopia dá mais benefício. Adolescentes também podem usar, mas como a miopia naturalmente desacelera na adolescência tardia, o maior ganho é quando o tratamento começa cedo. Se a criança ainda não está pronta para contato, pode-se adiar para mais tarde ou combinar outro método (por ex., atropina) antes.
- Vantagens: As crianças têm ótima correção visual e adoram ficar sem óculos de dia. Lentes diárias (como MiSight) são muito práticas – não precisam de solução de limpeza, só usar um par novo todo dia. São confortáveis depois de um curto período de adaptação (geralmente, após 1 semana a criança “esquece” que está com lentes). O ganho no controle (~30–60%) é significativo. Não há efeitos colaterais medicinais, e o uso é tão seguro quanto lentes de contato diárias normais (o risco de infecção em diárias é baixíssimo). Muitos pais gostam da ideia de algo “removível” – se houver problemas, basta parar de usar as lentes (ao contrário de um procedimento irreversível).
- Desvantagens: A criança precisa ter responsabilidade para usar as lentes diariamente: colocar de manhã, tirar à noite, nunca ultrapassar o tempo recomendado. Crianças mais novas podem precisar da ajuda dos pais no começo. Algumas famílias podem achar essa rotina diária complicada ou assustadora (embora muitas crianças gostem de usar lentes e sintam orgulho disso). O custo dessas lentes costuma ser maior que lentes comuns. Por exemplo, a MiSight pode custar cerca de R$3.000 a R$4.000 por ano no Brasil (é uma lente patenteada), embora alguns profissionais ofereçam planos com consultas inclusas. Lentes multifocais mensais comuns são mais baratas, mas exigem maior perícia do profissional para ajustar. Outro ponto: essas lentes só funcionam se forem usadas quase o dia inteiro (pelo menos 6 dias por semana), para que o olho receba o sinal de controle durante o período ativo. Se a criança ficar dias sem usar ou usar só por horas, o efeito cai muito. Por fim, apesar de incomum, algumas crianças podem estranhar a visão no início: pode haver um leve “fantasma” de imagem ou menor contraste em certas condições por causa das múltiplas áreas de foco. Geralmente isso é mínimo e passa em boas condições de iluminação.
- Efeitos colaterais: É praticamente igual às de qualquer lente de contato diária. O risco de infecção usando diárias é muito baixo (cerca de 1 caso grave em cada 5.000 usuários por ano) e complicações leves (irritação, conjuntivite) são raras. É preciso supervisionar a higiene das lentes com a criança. Alguns olhos podem ficar um pouco secos ou irritados – isso costuma ser resolvido com lubrificantes oculares de boa qualidade. Não há efeitos sistêmicos porque o “plus” da lente age só no olho. Em geral, essas lentes são consideradas muito seguras e eficazes quando orientadas corretamente[4].
- Acompanhamento: Depois de entregar as lentes, faz-se um retorno em 1 mês para checar conforto, visão e ajuste. Em seguida, exames de 6 em 6 meses para avaliar grau e comprimento axial. Se o controle estiver bom, apenas continua o plano. Se a miopia ainda estiver avançando rápido, o profissional verifica se a lente está bem centralizada e se as horas de uso estão corretas. O grau da lente de contato precisa ser atualizado conforme o olho cresce (geralmente cada ano dá uma forte ajuste leve). Importante monitorar a saúde da córnea – qualquer vermelho ou irritação, suspende-se o uso imediatamente. Na prática, pacientes e famílias acabam criando vínculo frequente com o optometrista durante esse acompanhamento.
Lentes de óculos com defocus (p.ex. HOYA MiYOSMART, Essilor Stellest)
- O que é: São óculos especificamente desenhados para desacelerar a miopia. Parecem com óculos infantis finos normais, mas a lente tem uma curvatura especial. Por exemplo, a lente HOYA MiYOSMART usa a tecnologia D.I.M.S.: um padrão de pequenos “lenslets” na periferia que focam a luz um pouquinho na frente da retina, enquanto a região central de 9 mm mantém a visão normal à distância. A lente Essilor Stellest usa a tecnologia H.A.L.T.: anéis concêntricos de pequenos lenslets asféricos que criam uma camada de desfoque em frente à retina. Ou seja, essas lentes dão visão nítida centralmente e, ao mesmo tempo, projetam constantemente um sinal de desfoque míope para a retina periférica conforme a criança as usa. São uma atualização de lentes bifocais ou multifocais antigas (que antes só davam uns 10–15% de efeito); estas novas designs atingem eficácia muito maior.
- Eficácia: Ensaios clínicos são muito promissores. Um estudo de 2 anos com as lentes MiYOSMART (DIMS) mostrou cerca de 60% menos progressão de miopia em média do que em crianças com óculos normais[5]. Por exemplo, os miopes com lentes DIMS foram de –0,3 D em 2 anos contra –0,8 D no grupo comum. Outro estudo com Stellest constatou que, após 2 anos usando as lentes 12+ horas por dia, as crianças tiveram 67% menos progressão do grau (0,99 D a menos no total) e 60% menos alongamento axial do que o grupo controle[5]. Mesmo incluindo quem não usou tanto, houve ~50% de desaceleração com a Stellest. Esses resultados rivalizam com o que vemos de melhor na atropina ou no Orto-K. Na prática, significa que a criança pode manter praticamente o mesmo grau por um ano inteiro com essas lentes, quando normalmente o grau aumentaria bem. Para surtir efeito total, a criança deve usar o óculos o tempo todo que estiver acordada (escola, casa, etc). Se só usar parte do dia, o ganho cai proporcionalmente.
- Idade indicada: Qualquer criança míope que já usa óculos pode se beneficiar. Funciona muito bem em crianças pequenas (5–7 anos) que ainda não querem lente de contato ou tratamentos invasivos – basta colocar o óculos normal. Não exige adaptação especial da criança (além de se acostumar a cobrir a visão periférica ligeiramente). Pode ser usado a partir de quando a miopia é detectada até início da adolescência e além. Mesmo adolescentes com miopia residual podem tirar proveito. Se a criança precisa de correção e geralmente aceita bem óculos, esta é uma forma fácil de controle.
- Vantagens: Muito simples de usar – basta continuar com o hábito de usar óculos. Não há colírio, nem rotina de lentes de contato ou cirurgia. É apenas uma lente diferente. A aparência do óculos é praticamente igual a um óculos comum (os lenslets são microscópicos, invisíveis a olho nu). A segurança é excelente – é só uma lente especial sem componentes medicinais. A eficácia (~50–60% de redução) é comparável às melhores opções. Se a criança já gostava de usar óculos, basta essa troca de lente no par existente. E se algum dia ela tirar o óculos para brincar, não há efeito adverso – a única “desvantagem” temporária é que ela perde o efeito de controle durante esse período. No geral, é uma atualização sem esforço do óculos normal.
- Desvantagens: O principal é o custo – essas lentes custam mais que lentes comuns. No mundo, cada par custa algumas centenas de dólares (2–3 vezes o preço de lentes comuns infantis). Como o grau muda na infância, pode ser preciso trocar as lentes todo ano ou mais, o que dá despesa contínua. Mesmo assim, costuma sair mais barato do que anos de tratamentos caros. Outro ponto: embora ofereçam boa visão, alguns poucos podem notar leve névoa nas extremidades do campo visual ou duplo sombra em algumas luzes por causa da estrutura dos lenslets. A maioria das crianças se adapta e não reclama, pois a visão central é totalmente clara. Somente crianças muito sensíveis a isso poderiam se incomodar, mas é raro. Por fim, é preciso que a criança realmente use os óculos o tempo todo. Se ela tira sempre ou não gosta de usar óculos, aí o efeito de controle cai. Para crianças muito ativas que ficam sem óculos, pode ser melhor considerar lentes de contato ou atropina, por exemplo.
- Disponibilidade no Brasil: No Brasil, já há lentes de desfoque disponíveis. A Essilor Stellest é oferecida em óticas especializadas (recomendada para crianças de 6 a 16 anos e miopias até –10,00 D[6]) e comprovou retardar a progressão em cerca de 67% quando usada 12 horas por dia[7]. A HOYA MiYOSMART também está no mercado brasileiro como opção, e Zeiss MyoCare é outra família de lentes similar que várias óticas trabalham. Os profissionais devem informar às famílias que são lentes de última geração, normalmente vendidas a partir de valores na faixa dos milhares de reais por par.
- Acompanhamento: Em geral, mantém-se o acompanhamento de rotina semestral do grau e do comprimento axial. A cada aumento de ~0,50 D a lente deve ser renovada, ou no mínimo anualmente para não deixar a miopia “sem correção”. Se a miopia parar quase totalmente, é sinal de sucesso e continua-se igual. Se continuar progredindo além do esperado, verifica-se se a criança de fato usou os óculos a maior parte do dia. Em alguns casos difíceis, os médicos combinam essa lente com atropina para potencializar o efeito. Não foram observados efeitos adversos graves de uso a longo prazo: estudos em crianças por 5+ anos em Hong Kong mantiveram a miopia controlada e função visual normal. O importante é lembrar os pais de atualizar o par quando muda o grau – a criança não corre risco se usar lente um pouco antiga (só vê menos nítido).
Estilo de vida e tempo ao ar livre
- O que é: São mudanças no ambiente que ajudam a proteger contra a miopia. Os dois pontos principais são: aumentar o tempo que a criança passa ao ar livre (na luz natural) e equilibrar o tempo de atividades de perto (fazendo pausas durante leitura e uso de telas). Essas medidas isoladamente não curam a miopia já instalada, mas promovem saúde ocular geral e podem reduzir um pouco a velocidade de progressão. Em especial, passar bastante tempo fora (pelo menos 2 horas por dia) demonstrou adiar significativamente o surgimento da miopia em crianças que ainda eram normais. Quando a criança já é míope, só o tempo ao ar livre tem efeito modesto em retardar o avanço, mas ainda assim é benéfico para a visão e saúde geral.
- Eficácia: Para prevenção, estudos mostram que crianças que ficam mais ao sol têm menor chance de ficarem míopes. Um estudo descobriu que adicionar em média +1 hora e 16 minutos por dia de atividades externas reduziu em ~50% o risco de desenvolver miopia[8]. Para crianças já míopes, a evidência de desaceleração é mista – uma meta-análise recente concluiu que, embora o tempo fora previna miopia, ele “não parece diminuir muito” a progressão em quem já é míope[9]. Alguns programas escolares com exercícios ao ar livre viram ligeiras melhoras, mas geralmente, para frear a miopia rápida, a criança precisa de um dos tratamentos ópticos ou farmacológicos citados acima. De todo modo, pelo menos 1–2 horas diárias fora são recomendadas como parte de um estilo de vida saudável para os olhos. Outros benefícios incluem exercício físico e foco à distância, e o sol “natural” estimula a liberação de dopamina na retina, o que teoricamente ajuda a controlar o crescimento ocular. É consenso entre especialistas: quanto mais tempo ao ar livre, melhor para os olhos (só cuidando de proteção solar).
- Reduzir tarefas de perto: Além de mais sol, recomenda-se moderar o tempo excessivo de leitura ou tela sem pausas. Uma dica comum é a regra “20-20-20” para o uso de telas: a cada 20 minutos olhando para a tela, olhar para algo a 6 metros (20 pés) de distância por 20 segundos. Isso relaxa os músculos oculares. Boa iluminação nas tarefas de perto também ajuda. Essas práticas, sozinhas, provavelmente não interrompem a progressão miopica, mas contribuem para a saúde ocular geral ao longo dos anos.
- Vantagens: É praticamente grátis e saudável de diversas formas. Levar as crianças para brincar ao ar livre melhora condicionamento físico, humor e aprendizado, além de proteger os olhos. O dia claro é ~100 vezes mais intenso que luz interna, o que ativa mecanismos naturais de freio no crescimento do olho. Não há risco nem efeito colateral (exceto o cuidado comum com protetor solar). Todas as diretrizes recomendam mais tempo ao ar livre para todas as crianças, míopes ou não. É uma mensagem fácil de passar aos pais: “Brincar fora diariamente é uma das melhores coisas para os olhos em desenvolvimento”. Como complemento aos demais tratamentos, ajuda certamente. Além disso, esses hábitos criam higiene visual que beneficia o adulto também (menos cansaço com telas, por ex.).
- Desvantagens: Isoladamente, atividades ao ar livre raramente bastam para controlar miopia moderada ou rápida. Os pais não devem se sentir culpados se, mesmo brincando ao ar livre, a criança ainda precisar de colírio ou lentes especiais – pense no tempo externo como auxílio, não remédio único. É difícil exigir 2 horas diárias fora em qualquer estação ou cidade (chuva, frio ou rotina escolar apertada limitam isso). Mudar hábitos requer disciplina familiar; algumas crianças preferem ficar dentro brincando ou estudando. Então, embora altamente recomendado, pode não ser cumprido à risca todos os dias. Mesmo assim, qualquer ganho — 30 min a mais do que antes já é válido — vale a pena.
- Efeitos colaterais: Virtualmente nenhum, a não ser um joelho ralado de brincar (risos)! Só vale lembrar: sol e radiação UV são fatores a considerar. Curiosamente, alta miopia aumenta o risco futuro de lesões retinianas por exposição solar excessiva quando a pessoa envelhece (olho esticado deixa entrar mais luz). Mas na infância, o foco é na luz natural diária como protetor contra miopia. Sempre uso de óculos de sol com filtro UV ou chapéu quando a criança estiver ao sol. Pesquisas também apontam que bons níveis de luz interna e textos com bom contraste podem imitar alguns efeitos do sol. Enfim, a ideia-chave é: deixe as crianças serem crianças do lado de fora tanto quanto possível. É um fator protetor natural para a visão delas.
- Acompanhamento: Medir tempo ao ar livre não precisa de exame, mas cada consulta você pode perguntar gentilmente: “Quantas horas por dia seu filho brinca ao ar livre? Faz pausas de 20 segundos a cada 20 minutos de tela?” Incentivar melhorias faz parte do plano de manejo. Se a miopia estiver bem controlada, reconheça o papel positivo dos bons hábitos. Se não, lembre os pais de que o tempo externo ajuda, mas por si só é limitado, reforçando a necessidade dos outros tratamentos. Alguns profissionais até sugerem anotar rotinas ou usar monitores de luz em estudos, mas no geral basta relembrar os pais a cada visita a importância de exposição moderada ao sol.
Óculos ou lentes monofocais simples (apenas acompanhamento)
- O que é: Basicamente é não fazer nada além de corrigir a visão atual. A criança continua usando óculos ou lentes de contato monofocais comuns para enxergar bem, e o óptico monitora a prescrição a cada visita. Se a miopia piorar, troca-se a lente para o novo grau. Era a abordagem padrão por décadas, e hoje ainda é usada por algumas famílias que não optam por intervenções específicas de imediato (por questão de custo, conforto ou achar que é muito cedo). É importante entender esse padrão como linha de base, porque qualquer método de controle será comparado ao progresso típico visto usando apenas correção normal.
- Eficácia: Por definição, correção monofocal não freia o crescimento ocular. Pelo contrário, há estudos que sugerem que as lentes comuns podem até deixar um “desfoque periférico” que estimula um pouco mais a miopia (por isso pensou-se nas novas lentes). Na prática, se a criança usa só lentes normais, espera-se que a miopia siga seu curso habitual – muitas crescem em torno de –0,5 a –1,0 D por ano nos primeiros anos após o diagnóstico (há grande variação pessoal). Por exemplo, uma criança que iniciou com –1,00 D aos 6 anos e piorou –1,00 D/ano chegaria a –8,00 D no final da adolescência; outra que começa aos 10 anos e avança –0,50 D/ano pode ficar por volta de –3,00 D. Nesse esquema, bifocais/fracionais usados no passado só davam uns 10% de redução, nada significativo (por isso não são mais recomendados hoje). Portanto, com lente monofocal simples a progressão segue natural.
- Vantagens: Simplicidade e baixo custo são os principais pontos. Óculos comuns são a solução mais barata e fácil de conseguir. Não há rotinas extras ou colírios – basta vir ao atendimento anual. Para algumas famílias, especialmente se a miopia é leve ou começou muito recente, essa é uma estratégia de “esperar para ver” razoável. A correção visual em si é boa (garante visão nítida, essencial para aprender e segurança). Alguns óculos até são estilosos e agradam a criança. Se a miopia progredir bem devagar naturalmente, apenas acompanhar com óculos normais pode funcionar (embora ninguém possa prever quem vai desviar desse caminho ou não).
- Desvantagens: A miopia provavelmente continuará a progredir sem controle significativo, levando a graus muito mais altos do que seria possível evitar. Em outras palavras, é uma oportunidade perdida de reduzir o avanço. Quando a miopia já estiver em –5,00 D ou mais, pais e médicos podem desejar ter feito algo antes. Além disso, não há redução nos riscos futuros – a criança segue no caminho natural que seus genes e ambiente determinam. Para a clínica, isso significa que a cada exame a lente do óculos vai precisar ficar mais forte (custo contínuo de reposição). Em resumo, é manter o status quo em vez de agir – e por isso só costuma ser escolha inicial em casos muito brandos ou por questões de acesso.
Em resumo, há boas notícias: hoje sabemos que podemos fazer muito mais do que apenas passar uma receita de grau e marcar novo exame para daqui a um ano. Incentivar boa rotina (tempo ao ar livre, pausas de foco) é importante, mas as famílias agora têm várias armas comprovadas para desacelerar de verdade a miopia dos filhos. Como profissional, seu papel é explicar cada opção em termos simples (existem prós e contras em todas elas) e ajudar os pais a decidir com informação. O importante é começar cedo: segundo as diretrizes brasileiras, é recomendado rastrear crianças em idade escolar e agir quando necessário, com tratamentos como atropina em baixa dose, lentes de contato multifocais, Orto-K ou óculos de desfoque[10]. Cada caso é único, mas com esse conhecimento você pode tranquilizar pais preocupados e mostrar que há luz no fim do túnel – não precisamos apenas acompanhar a miopia, podemos controlá-la e proteger a visão futura dos pequenos.
Fontes: Diretrizes brasileiras de controle de miopia pediátrica[10], literatura internacional e sites de fabricantes (CooperVision MiSight[11], ZEISS MyoCare/Orto-K[2]), entre outros recursos científicos.

Engenheiro de software com mais de vinte anos de carreira e uma sólida experiência na indústria óptica, graças ao negócio da família. Movido pela paixão de desenvolver soluções de software impactantes, orgulho-me de ser um solucionador de problemas dedicado, buscando transformar desafios em oportunidades de inovação.